Aspectos Trabalhistas

CONSIDERAÇÕES ANTE A APRESENTAÇÃO DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS 927/20 e 936/2020

Ante a apresentação das Medidas Provisórias 927/20 e 936/2020 pelo Governo Federal, ressalvada a alteração já efetivada que revogou a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho em detrimento do fornecimento de curso profissionalizante, cumpre ressaltar pontos de insegurança e relevância. 

Da redução de salários com base em força maior (COVID-19)

O primeiro ponto de insegurança/relevância é a possibilidade que a Medida Provisória 926 da ao empregador de reduzir salários, contida no artigo 503 da CLT, uma vez que a MP enquadra a pandemia do Covid-19 como caso de “força maior”. 

Apesar do que dispõe o artigo 503 da CLT, é importante ressaltar que o artigo 2º da MP impõe os limites estabelecidos na Constituição, e a Constituição Federal (art. 7º, VI, da CF/88) dispõe acerca do princípio da irredutibilidade de salários, salvo mediante negociação coletiva. 

Assim, a realização de um acordo individual nos termos da MP para reduzir salários, com base em força maior (COVID-19) poderá ser anulada se for judicializada, e para que se assegure da validade desta medida (que deve ter sua necessidade comprovada), a princípio, é indispensável a negociação coletiva com o sindicato da categoria (acordo ou convenção coletiva). 

Redução de salário e jornada

Em contrapartida, a MP 936/2020 que apresenta o Programa Emergencial do Emprego e da Renda, trouxe mecanismos que alteram a mecânica dos contratos de trabalho, permitindo redução de salário e jornada, bem como a suspensão do contrato de trabalho. 

Assim como a MP 927/202, a MP 936/2020 esbarra no dispositivo Constitucional (art. 7º, VI, da CF/88) que proibi a redução salarial salvo Acordo ou Convenção coletiva. 

Na MP 936/2020 diferente do que se apresentou no revogado art. 18 da MP 927/2020, há o pagamento de compensação salarial por parte do Governo Federal, bem como, a limitações para a aplicação das medidas via acordo individual. 

A redução de salário e jornada ou suspensão do contrato de trabalho só poderá ocorrer pela via do acordo individual entre empregador e empregado nos casos em que este último perceba salário igual ou inferior a R$ 3.135,00, ou que seja portador de diploma de nível superior e perceba salário igual ou superior a R$ 12.202.12, do contrário há exigência de realização de Acordo ou Convenção Coletiva. 

O empregado que for atingido pelas medidas anteriormente citadas receberá um valor compensatório do Governo Federal, cujo valor é calculado proporcionalmente com a base de cálculo do valor mensal do seguro desemprego a que o empregado teria direito (no caso de redução de jornada e salário no percentual da redução e no caso da suspensão de 70% a 100%). 

Para que a compensação salarial se efetive é necessário que o empregador comunique o Ministério da Fazenda (no prazo de dez dias da assinatura do acordo individual ou da negociação coletiva), sendo ponto fundamental, pois sem esta comunicação haverá a descaracterização do programa com as sanções trabalhistas aplicáveis. 

Deve-se ressaltar também que as Medidas Provisórias atendem um caráter de urgência e necessidade, assim o conteúdo destas tem eficácia temporal limitada, mas seus efeitos gerarão discussões no âmbito da Justiça do Trabalho. 

Certamente irão surgir discussões na justiça acerca da Constitucionalidade da MP 936/2020 frente ao art. 7º, VI da CF/88, uma vez que este dispositivo Constitucional veda a redução salarial sem negociação coletiva. 

A própria MP tentou tangenciar esta inconstitucionalidade uma vez que há pagamento compensatório pelo Governo, mas é importante ressaltar que se o valor compensatório disposto na MP 936/2020 não for suficiente para manter o valor do salário percebido pelo empregado, resta configurada redução salarial, caindo na inconstitucionalidade mencionada. 

Assim é prudente que o empregador fiscalize se o valor compensatório esta realmente sendo pago, e que este valor compense a totalidade do salário percebido, a fim de poder comprovar que efetivamente não houve redução do montante salarial do empregado, reduzindo-se o risco de anulação do acordo individual e passivo trabalhista futuro, apesar de ainda haver risco (mesmo que mitigado) de decisões de inconstitucionalidade da MP 936/2020.

Importante lembrar também que o empregado que for atingido pelos instrumentos constantes na MP supracitada são dotados de estabilidade, não podendo ser demitidos durante lapso temporal idêntico ao que vigorou a redução de salário e jornada ou suspensão, ou seja, uma vez aplicado o disposto na MP 936 durante um mês, findo este mês, o empregado terá outro período de estabilidade. 

Home office

Nada obstante aos instrumentos já mencionados, a MP 927/2020 também trouxe algumas flexibilizações de institutos já existentes, como a aplicação do home office.

Não há obrigatoriedade de controle de jornada, desta forma, quem laborar fora do horário de trabalho não terá este lapso temporal presumido como tempo a disposição do empregador. 

A fim de não se descaracterizar este regime de trabalho é essencial que as empresas realizem um termo escrito formalizando o home office inclusive dispondo acerca de custeio de despesas ou não. 

Banco de horas e antecipação de feriados 

Além do home office as empresas ainda podem estabelecer bancos de horas e antecipação de feriados, podendo este banco e antecipação de feriado (não religioso) ser estabelecido imediatamente pela via do acordo individual, sendo que aqueles que já possuem banco de horas valem as medidas já acordadas (devendo-se atentar para sua vigência). 

Antecipação de férias individuais e coletivas

O empregador também pode optar pela aplicação ou antecipação de férias individuais e aplicação de férias coletivas, sendo que para as férias individuais pode ser negociado períodos futuros (utilizando-se do bom senso), sendo possível também a flexibilização do prazo para pagamento do terço constitucional até a data em que é devida a gratificação natalina.

Tais flexibilizações são aplicáveis apenas para as férias individuais, mas para as férias coletivas a MP 926/2020 permite que sejam aplicadas sem notificação do sindicato da categoria, mas com aviso ao empregado no prazo de até 48 horas. 

Recolhimento de FGTS 

Também é possível que o empregador postergue e parcele o recolhimento do FTGS referente aos meses de março, abril e maio, para os empregados com contrato ativo, podendo ser parcelado o recolhimento em até seis vezes a partir de julho de 2020.

Fato do príncipe – paralização temporária ou definitiva do contrato de trabalho por ato do Poder Público

Após declaração Presidencial houve discussões acerca do art. 486 da CLT (fato do príncipe), que diz que no caso de paralização temporária ou definitiva do trabalho por ato do poder público este deve arcar com indenização. 

Não é possível confundir a aplicação deste artigo frente ao estado de força maior de que trata a própria MP 926/2020, medidas gerais de quarentena não são suficientes para incidência deste artigo, o ato público que impossibilita a continuidade do trabalho deve ser direto, tal como na suspensão de um contrato com o poder público ou desapropriação do terreno da empresa. 

Das atividades essenciais 

Para as atividades essenciais que continuam em funcionamento, há de se ressaltar o dever de prudência que deve possuir o empregador, fornecendo comprovadamente EPIs (álcool gel, máscaras), cuidando pelo distanciamento dos funcionários, a fim de assegurar a empresa e proteger o ambiente de trabalho, sendo que o empregado que não cumprir as medidas sanitárias pode ser advertido, suspenso ou até dispensado por justa causa.

Conclusão 

Estes são pontos cruciais e polêmicos dentro das Medidas Provisórias apresentadas pelo Governo Federal com mudanças no ordenamento legal que rege os contratos de trabalho, sem prejuízo as demais medidas apresentadas, sendo essencial neste momento de crise que todos os operadores envolvidos nas relações trabalhistas trabalhem em conjunto e com bom senso, respeitando-se a ciência e as determinações da Organização Mundial da Saúde e do Ministério da Saúde. 

Michael Notarberardino Bos. Advogado do escritório Durvalino Picolo Advogados Associados. Especialista em Direito do Trabalho pela Escola Paulista de Direito.