O afastamento das cláusulas restritivas impostas no testamento.

Uma das muitas consultas que nos chegam aqui em nosso escritório refere-se à possibilidade de se afastar as cláusulas restritivas impostas pelo testador quando da disposição de seus bens disponíveis em testamento. O estabelecimento de cláusula de inalienabilidade, incomunicabilidade, temporárias ou vitalícias, e impenhorabilidade nos bens disponíveis da herança necessitam de justa causa para tal restrição? Deve o testador motivar tal ato?

De acordo com o artigo 1.848 do Código Civil de 2002 para a imposição das cláusulas restritivas à legítima pelo testador exige-se a declaração de justa causa que deverá ser expressa no testamento em termos que permitam o exame da justeza de sua imposição. Não sendo acolhido, por conseguinte, indicações genéricas, sem distinção em face do herdeiro que sofrerá a restrição; muito menos, meramente subjetivas, que impeçam o referido exame objetivo posterior.

Observa-se que ao que se refere à cota disponível o artigo 1.848 do Código Civil não faz qualquer menção, ficando livre o testador para dispor de sua metade, impondo as cláusulas restritivas que achar convenientes.

Alguns doutrinadores entendem que se nada foi imposto pela lei, não há que se falar em justa causa. Mas há quem defenda que ainda que o legislador tenha ficado omisso, necessária a justa causa também na cota disponível dos bens. E, essa é a nossa posição.   

Isso porque na inalienabilidade sobre os bens, ainda que não abrangendo a legitima, é passível de análise quanto ao merecimento da tutela, devendo-se ponderar as razões do testador com outros interesses de proteção legal – como o mínimo existencial; dignidade da pessoa humana; função social da propriedade; liberdade, igualdade e livre iniciativa – a se decidir se o gravame deve ou não perdurar.

Neste sentido, é que o conceito de justa causa deve ser estendido também para as situações em que o testador grava a sua cota disponível sob pena de haver justificativa para a restrição com fundamento constitucional, sem dúvida de violação à propriedade como instrumento para a valorização dos direitos fundamentais.  

Outro fator diz respeito ainda quanto à possibilidade de que à época da motivação da justa causa, o motivo que era justo quando da imposição das cláusulas restritivas ao tempo da abertura da sucessão, não mais se opere, podendo-se pensar no pedido de levantamento de tais cláusulas.

Exemplo disso, é quando o testador grava quotas sociais de seu grupo econômico, visando que o(s) herdeiro(s) explorem sua atividade profissional, preservando-se assim todo o patrimônio empresarial de referido grupo. Todavia, se o(s) herdeiro(s) estão tendo prejuízo de alguma forma por não poder(em) ter acesso à parte da herança, havendo prejuízo de grande ordem patrimonial, moral ou psicológico para ele(s), a pergunta que fica é: a permanência das restrições coincidem com a manutenção de sua causa justificadora?? Em caso de resposta negativa, então, há que se falar no afastamento das cláusulas restritivas impostas no testamento.     Por Ana Paula Picolo Campos. Advogada. Especialista em Direito de Família e Sucessões pela Escola Paulista de Direito.