Em momentos e cenários específicos como o que enfrentamos atualmente, o surto de Covid-19 que foi classificada como pandemia pela Organização Mundial de Saúde neste mês, diversos ramos do direito passam por desdobramentos igualmente específicos, de modo que sejam aplicáveis no dia-a-dia dos indivíduos, principalmente o Direito do Consumidor.
Com a orientação dos órgãos de saúde e decretos oficiais do poder executivo para que as pessoas evitem aglomerações e reduzam o contato social, shows, voos, escolas, academias e até mesmo os ambientes de trabalho têm sido esvaziados.
Vários estados adotaram medidas para reduzir as possibilidades de contato entre as pessoas para conter a propagação do vírus, além de determinar ações específicas no âmbito da saúde e levantar restrições de tráfego nas fronteiras e divisas.
Conforme o Código Civil preconiza, o conceito de força maior verifica-se no fato necessário, cujo efeitos não era possível evitar ou impedir. Sendo assim, a instauração de uma pandemia do nível da Covid-19 se encaixa perfeitamente nesse exemplo, influenciando diretamente as relações jurídicas e comerciais, como veremos nos exemplos abaixo.
Na qualidade de devedores de produtos ou serviços, conforme Art. 399 no Código Civil, as empresas respondem pela impossibilidade da prestação, salvo se provar isenção de culpa. Já no Art. 607 do Código Civil, mais especificamente quanto à prestação de serviços, esta considera-se finalizada quando motivada por força maior, ou seja, não havendo possibilidade de ser cumprida.
No caso de empreiteiras, conforme Art. 625 do Código Civil, as obras podem ser suspensas por motivo de força maior.
Por fim, no caso dos transportes de pessoas ou coisas, as determinações são divididas respectivamente nos Arts. 734, 737 e 753 do mesmo diploma legal. No caso do transporte de pessoas, o transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade. O transportador também está sujeito aos horários e itinerários previstos, sob pena de responder por perdas e danos, salvo motivo de força maior.
Já no caso de transporte de coisas, se não puder ser feito ou sofrer longa interrupção, o transportador solicitará instruções ao remetente, e zelará pela coisa, por cujo perecimento ou deterioração responderá, salvo força maior.
Porém, quais são os direitos de quem já pagou antecipadamente por uma viagem, festa de casamento, serviço ou até mesmo de quem optar por trabalhar no regime home office?
Em relação as passagens aéreas, a medida provisória 925, emitida no dia 18 de março, restou definido que o prazo para o reembolso do valor relativo à compra de passagens aéreas será de doze meses. Os consumidores que aceitarem créditos para utilização no prazo de doze meses devem ficar isentos de penalidades contratuais em passagens compradas até 31 de dezembro de 2020.
Quanto às instituições de ensino, até o momento, as escolas regulares e faculdades estão obrigadas a ministrar todo o conteúdo pedagógico definido pela legislação por outro meio (online, por exemplo) que não o presencial, “sem que haja perda de qualidade”, e que o mesmo vale para cursos de línguas e outros cursos livres.
Seguindo a orientação de cancelamento de situações em que haja aglomeração de pessoas, shows, eventos, festas e congressos, entre outros, os ofertantes devem oferecer a prorrogação para data em que a situação esteja normalizada, e, caso essa não seja opção viável para o consumidor, ele pode pedir o reembolso.
Quanto às academias e clubes, as empresas podem suspender contratos por prazo determinado e compensar o período quando a situação for normalizada, sem multas. E, caso o consumidor não possa usufruir do serviço posteriormente, pode pedir o cancelamento do contrato.
Há que ressaltar que apesar de nos contratos haver previsão de cláusula de cancelamento, consumidor e empresa devem compor acordo para cancelamento sem multas, por se tratar de situação excepcional.
No caso de cancelamento com devolução de valores, se o pagamento pelo contrato ainda estiver sendo feito de forma parcelada, a empresa deve devolver o que já tiver sido pago e cancelar as parcelas ainda em aberto. E, se a empresa afirmar que irá cobrar multa alegando que já teve gastos, o consumidor poderá pedir o detalhamento e a comprovação desses gastos.
Quanto aos aumentos indevidos de preço, o Código de Defesa do Consumidor caracteriza como prática abusiva elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços.
Se porventura o consumidor se deparar com valor de produtos ou serviços relacionados ao coronavírus que considere abusivo, poderá registrar reclamação junto ao Procon, que solicitará esclarecimentos ao fornecedor, que poderá responder a processo administrativo e até ser multado.
Por Victor Milhome Pires, advogado do escritório Durvalino Picolo Advogados Associados. Pós graduado pela Escola Paulista de Direito em Direito Civil e Direito Processual Civil.